MARQUESA DE SANTOS, A PAIXÃO DE DOM PEDRO I

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Paulo Setúbal
 Romancista (1893 - 1937)
 Autor de A Marquesa de Santos,
 O Sonho das Esmeraldas e outras.

Resultado de imagem para dom pedro iToda a gente, na cidadezinha de São Paulo, engalanara-se com espavento em 13 de janeiro de 1813. Não houve matrona que não se enfeitasse de suas velhas joias. Não houve moça que  não se alindasse de galantezas e tafularias. Tudo isso, tanto primor e garridice, para assistir a um acontecimento alvoroçante, inteiramente inesperado, que viera abalar com ruído, aquela pequena sociedade de Província: o casamento do Alferes Felício Pinto Coelho de Mendonça, moço fidalgo da Casa Real, com a encantadora Domitila de Castro, última filha do Coronel João de Castro Canto e Melo. Por isso, no casarão da Rua do Ouvidor, onde morava a noiva, burburinhava, há dias já, tremenda fervedura de arranjos e preparativos. O velho João de Castro sempre se gabara de seus avós. Gloriava-se, frequentes vezes, de ser fidalgo de lei. A sua mulher, D. Escolástica  Bonifácia, apregoava-se também, com orgulho, descendente dos Toledos Ribas. Eram eles,não havia dúvida, gente de sangue limpo.No casamento da caçula, timbraram em oferecer aos amigos bela noitada de festança grossa, com bródio e baile, que estivesse à altura do seu sangue e do seu nome. Que rebuliço o que ia pela casa adentro! D. Escolástica, muito atarefada, não cessava de vascolejar, de arejar, de espanejar. Era um destramelar armários, um remexer empoeiradas arcas, um revirar canastras, um escancarar baús, um arrancar lá do fundo de tudo isso, para expor ao sol os preciosos guardados, antigos, as coisas nobres e magníficas, as largas toalhas de crivo, as rendas de bilro, os panos bordados, a prataria do Reino, as peças de porcelana. Essa atordoante trabalheira, tão desusado empenho em preparar a noite de gala, revelavam bem júbilo que dava aos pais o casamento da caçula. Esse casamento, no entretanto, tivera curiosa trama. Fora um caso violento de paixão. Romance de amor tão fulminante, tão inesperado que espantou toda a cidade.
A história foi assim: Domitila, a Titila, como lhe chamavam os de casa, era uma criaturinha perturbante, linda boneca de dezesseis anos, leve como pluma, botão de rosa pelo amanhecer. Tinha o talhe fino, a cinturinha breve, ar de graciosa petulância. Olhos negros, dum fulgor líquido que enchiam de quentura e brejeirice o moreno róseo de seu rosto. Pedro Gonçalves de Andrade, primo do juiz de casamento, passava noites inteiras, de violão em punho, a entoar modinhas às janelas da donzela. Era de ver-se, nos bailes, o Aires da Cunha, sobrinho do Almoxarife da Real Fazenda, grudado acintosamente às saias da pequena. A cidade inteira botou-se a linguajar com maldade daquele caso. No Botequim da Princesa, no Largo da Pólvora, em dia da procissão de São Jorge, o Moraizinho engalfinhou-se violentamente com o Bento Furquim, um atrevidaço namoriscador da pequena. Lá se foi com ele aos bofetões e sopapos numa fúria tão brutal que foi contida pelo padre Bernardo Pureza Claraval, que passava por ali. Foi justamente nessa época que os rapazes se esmurravam por causa da fatal menina, que chegou à Província e se aquartelou em São Paulo, o Primeiro Esquadrão do Corpo de Dragões, procedente de Vila Rica. Com o grupo, viera também um bonito rapagão protegido do Príncipe. Rapaz esbelto e moreno, 22 anos, gentil e simpático. Era o Alferes Felício Pinto Coelho de Mendonça, que fazia parte do Estado Maior daquele regimento. Ao ver Domitila pela primeira vez, ao andar pela cidade, o Alferes enlouqueceu pela menina. Ao tomar conhecimento da família da moça, ele se apaixonou desesperadamente e em pouco tempo noivou e casou-se. Foi uma festa magnífica que surpreendeu a cidade toda. Festa rara e luxuosa que contou com tudo do melhor da cidade. Todas as autoridades e os amigos da família compareceram, sem faltar ninguém. Com todo estardalhaço do casamento, que permaneceu na mente da Província, o nome de José Bonifácio, entre outros separatistas, não saia da boca do povo, quando se tratava da causa da Independência.
- Pois seja o que Deus quiser, Pe. Bernardo, atalhou João de Castro. Não aspiro outra coisa senão a uma velhice em paz. Tenho sofrido muito, Pe. Bernardo!
O velho pároco sentiu o tom melancólico do amigo. Sabia bem o padre a causa daquelas amarguras.
- Tem razão, Coronel! Aquele casamento da Sra. Domitila  foi um desastre.
- Foi um raio que me caiu em casa, Pe. Bernardo. Nunca imaginei na minha vida que aquele casório, festejado com tanto gosto, viesse a ter um dia o desfecho que teve! Ah, Pe. Bernardo, que desmoronamento! Eram brigas a toda hora, bate-bocas, nomes feios, ciumadas, o diabo! Para coroar tudo isso, lá vai o bruto e enfia a faca na mulher. Duas facadas na coxa. Foi uma sangueira. Ai esta no que deu um casamento tao bem começado...
Pe. Bernardo aproximou-se de João de Castro e confidenciou em voz baixa, sisudamente
- O que anda por ai, de boca em boca, é que o príncipe antes de entrar na cidade, portou casualmente na chácara de vosmecê onde conheceu a Sra. Domitila.
Ai foi o começo da paixão de Dom Pedro por Titila de Castro. Um romance atrevido, louco, irresponsável que abalou a corte. Apos a Independência do país, Dom Pedro levou Titila para a corte mesmo contra as opiniões de ministros, conselheiros, duques, viscondes e todo o reinado. Concedeu a ela o título de Marquesa para justificar sua presença na corte. Foi a primeira vez, nas Américas, que houve tao grande escândalo numa realeza. A repercussão foi ensurdecedora. O rei não respeitava ninguém. Tanto que diante de tanta pressão, indicou o Marquês de Barbacena, como diplomata, para encontrar uma noiva para ele na Europa. Para cumprir a missão em extremo sacrifício, Barbacena fechou acordo com a corte da Áustria, oficializando a Sereníssima Princesa Amelia Augusta Eugenia Napoleona de Leuchtenberg, filha do Príncipe Eugênio Beauharnais, como noiva e futura esposa de Dom Pedro I. Forçado pelas circunstâncias, Dom Pedro expulsou da corte, Domitila, a Marquesa, mandando-a de volta para São Paulo. O monarca, já casado com D. Amelia, depois de muitos problemas, abdica do trono em favor de seu filho D. Pedro de Alcântara (D. Pedro II), deixando como tutor do futuro imperador José Bonifácio, com quem se reconciliara pouco tempo antes, e embarca para a Europa. O ato marca o fim do Primeiro Reinado e o início do período regencial, no Brasil

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A Marquesa de Santos com 68 anos de idade

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