ALTO NÍVEL DE AÇÚCAR NO SANGUE CONTRIBUI PARA O DESENVOLVIMENTO DE DOENÇAS

Considerado “o tsunami do século 21”, o diabetes é uma doença que, segundo dados de 2011, divulgados pela Federação Internacional de Diabetes, afeta cerca de 360 milhões de pessoas em todo o planeta — e mata uma a cada sete segundos. Esse status catastrófico se deve ao aumento da incidência da doença no mundo, já que, em 2009, havia 245 milhões de pacientes com o problema, que tirava a vida de alguém a cada 10 segundos. Se não controlado, o diabetes pode trazer complicações ao organismo, como cegueira, infarto e doenças vasculares. Uma pesquisa da Academia Americana de Neurologia, publicada recentemente na revista Neurology, mostra que os altos níveis de açúcar no sangue podem ter uma consequência ainda mais grave: o desenvolvimento de doenças como mal de Alzheimer e demência vascular. “Agora, controlar o diabetes se tornou mais importante do que nunca”, garante o líder do estudo, Yutaka Kiyohara, professor de medicina ambiental da Universidade Kyushu em Fukuoka, no Japão.

Em entrevista ao Correio, Kiyohara afirma que sua equipe conseguiu demonstrar claramente que pessoas com diabetes tipo 2 — tipo no qual as células não conseguem metabolizar a glicose, apesar da presença de insulina no organismo — têm duas vezes mais chance de desenvolver demência do que pessoas com nível normal de açúcar no sangue. “Além disso, nossas descobertas revelaram que o risco é ainda maior quando o aumento de açúcar no sangue se mantinha duas horas após a ingestão de 75g de glicose, o que corresponde aos níveis de açúcar sanguíneo após uma refeição”, descreve.

A pesquisa começou em 1988, quando os pesquisadores fizeram testes de glicose com 1.017 voluntários, todos com mais de 60 anos e sem nenhum tipo de doença degenerativa das funções cognitivas. Os idosos foram monitorados durante os 11 anos seguintes e fizeram exames mentais para determinar se haviam desenvolvido demência durante esse período. Os resultados revelaram que 232 pacientes ficaram com algum tipo de demência. Dos 150 diabéticos, 27% desenvolveram mal de Alzheimer ou outro tipo de doença ligada à demência, percentual que caiu para 25% entre as 308 pessoas com pré-diabetes e para 20% entre as que não tinham problemas de índice glicêmico.

Kiyohara explica que há fatores específicos que ligam o diabetes tipo 2 ao risco de desenvolver demência. “Estudos recentes resumiram quatro caminhos que fazem com que a hiperglicemia induza a demência. São eles a aterosclerose, a glicação de proteínas, a deficiência do organismo em metabolizar a amiloide e o estresse oxidativo (ver infografia)”, enumera. “Os dois primeiros problemas estão relacionados com o desenvolvimento da demência vascular, enquanto os outros dois contribuem significativamente para a existência do mal de Alzheimer”, detalha o professor japonês.

De acordo com Kiyohara, o estudo ressalta que monitorar os níveis de açúcar no sangue após as refeições e reduzi-los, se necessário, pode ser útil para ajudar a diminuir o risco de demência ao longo da vida. “Mas ainda precisamos realizar outras pesquisas para elucidar por que a hiperglicemia e o diabetes tipo 2 interferem no desenvolvimento de doenças degenerativas das funções cognitivas”, admite. O pesquisador revela que o próximo passo de sua análise é encontrar outros fatores de risco para — e de proteção contra — a demência.

Surpresa

Para o líder do estudo, foi surpreendente notar que os níveis de açúcar no sangue das pessoas em jejum não foram associados ao risco de desenvolver tipos de demência. “Isso sugere que os níveis em jejum não servem como marcadores de risco para demência no futuro, embora sejam comumente usados para determinar os índices de tolerância à glicose e como marcadores para o controle de açúcar no sangue nos tratamentos de diabetes em geral.”

A neurologista Ana Paula Peña Dias, do Complexo Hospitalar Edmundo Vasconcelos, em São Paulo, confirma a relevância desse estudo, mas, assim como o professor de medicina japonês, alerta para a necessidade de mais pesquisas a fim de poder afirmar, com precisão, queportadores de diabetes tipo 2 são duas vezes mais propensos a desenvolver demência do que quem não tem. “Esse estudo, sendo aprofundado, levanta uma hipótese que pode ajudar no diagnóstico e no entendimento das doenças neurodegenerativas das funções cognitivas — ou seja, que afetam a memória e a capacidade de reconhecer pessoas e de realizar atividades rotineiras”, detalha.

O neurologista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás Delson José da Silva, integrante da Academia Brasileira de Neurologia, revela que o assunto abordado no estudo, apesar de ser muito controverso, é foco de discussão na comunidade médica. “Esse artigo traz dados valiosos, além de ter ser sido publicado na revista mais prestigiada da área”, acrescenta, destacando a qualidade da pesquisa. “Ela apresenta um período de investigações longo, grande número de voluntários envolvidos, rigor de investigação e tema relevante. Portanto, tem sim grande base para orientar novas pesquisas, além de advertir sobre a necessidade de aumentar a atenção no controle do diabetes entre os pacientes”, enumera.

Outras causas

“Em meu consultório, tenho me deparado com pacientes que apresentam associação de doença de Alzheimer ou demência vascular com diabetes e hipertensão arterial”, confirma Silva. Ele acrescenta que tabagismo, doenças metabólicas — como hiperlipidemias e hipotireoidismo — e doenças infecciosas, como Aids e sífilis, também podem estar ligadas à incidência de demência entre idosos.

Ana Paula Peña Dias afirma que, atualmente, a comunidade médica já sabe que pacientes com hipertensão e diabetes correm mais risco de desenvolver demência vascular. “Para Alzheimer, ainda não temos dados que comprovem uma relação, ainda que indireta, mas essa pesquisa traz informações novas, que devem ser mais bem exploradas futuramente”, estima a neurologista. Kiyohara comentou que análises recentes indicam que questões vasculares também podem estar ligadas ao Alzheimer.

Saúde Plena

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