A TAÇA TRANSBORDA NTE
"Contam que um califa de Bagdá tinha um filho, já moço,
muito acanhado e tímido. Não saia à rua para que o não vissem e dessem
tento do seu modo de andar e o apontassem como sucessor do rei. O pai, a
quem muito mortificava a timidez do filho, um dia chamou-o e disse-lhe: - Toma
esta taça de cristal. Hás de levá-la com água a transbordar, desde este
palácio até a mesquita, sem contudo, entornares uma gota sequer. É essa a minha
ordem. Muito triste ficarei se me desobedeceres!
Pelas longas e tortuosas ruas sai o moço a caminhar com imensa
cautela, completamente alheio ao rebuliço da massa popular e indiferente
aos olhares dos curiosos. Era preciso obedecer a seu pai. E ele fez exatamente
como lhe fora ordenado.
Tornando à casa, perguntou-lhe o rei se havia notado a
curiosidade dos transeuntes. - Como me seria possível fazê-lo, respondeu,
tendo na mão a taça a transbordar?
Assim também, se tu, meu bom a amigo andasses pela vida
preocupado com uma taça a transbordar, afastarias de ti o despeito humano
e caminharias pela estrada do dever com tranquila confiança. Ora, essa
taça mais frágil que o vidro, mas que deve absorver os teus sentidos, é a tua
alma de cristão. E se possuis essa preciosa e delicada taça e desejas
transportá-la, por que emprestar tanta importância aos olhares e críticas
dos transeuntes que querem perturbar a tua jornada gloriosa pela vida?”
Malba Tahan - "Lendas do Céu e da Terra"
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