"MEU PRIMEIRO DIA EM NAGASAKI, O PIOR DA MINHA VIDA"

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Há 70 anos eu vivi uma experiência que poucas pessoas tiveram ou puderam experimentar. Jamais consegui esquecer os momentos de terror e sofrimentos pelos quais passei ao sobreviver os tormentos do inferno criado pela explosão da bomba atômica em Nagasaki em 9 de agosto de 1945. Naquele primeiro e fatídico dia na cidade, depois de regressar de Londres, para rever a minha família, após mais de cinco anos, eu jamais acreditaria que poderia passar por situações tão desesperadoras como passei e consegui me safar quase por milagre. Antes do começo da segunda guerra mundial, ao nascer de 1939, meu pai me mandou para a Inglaterra a fim de concluir meu curso e estágio de engenharia ambiental que eu deixara de terminar no Japão por se tratar de uma um estudo de muita importância para o país. Como o conflito foi deflagrado em 1939 por atos e desejos de Hitler, com apoio dos dirigentes nipônicos (aliados) e alcançou a Europa antes das previsões, eu e outros estudantes ficamos impedidos de regressar ao Japão, que rompeu as relações com os ingleses. Alguns problemas que tínhamos de resolver em  relação ao nosso país, deveriam ser através da embaixada da Suíça, que ficou encarregada de manter relacionamento com Tóquio para resolver assuntos diplomáticos relacionados ao pessoal retido na Inglaterra  Por mais de cinco anos, passamos momentos dificílimos, quase insuportáveis para o ser humano já que o império nipônico se aliou aos alemães e italianos no conflito, e passou a ser inimigo de morte dos ingleses, como de parte da Europa e América. A situação para o noso lado era tão complicada e dramática que não tínhamos como fazer para deixar Londres. Éramos mal vistos pelos europeus,como adversários e o tratamento a nós dispensado era o pior possível. Tentamos pedir a intervenção da Cruz Vermelha, para tentarmos deixar a Europa,  mas  nos era negado esse direito. Para a Itália ou França era impossível sairmos porque estavam sob domínio nazista. A chance era possível se pudéssemos aderir à resistência inglesa, grupo de guerrilheiros, mas a maioria tinha medo da violência e acabávamos aguardando outras oportunidades futuras. Só com o fim de guerra, em maio de 1945, conseguí ter o passaporte autorizado, dia 8 de agosto, quando pude pisar no solo da pátria ensanguentada à noite, depois de grandes transtornos diplomáticos.

Nagasaki ontem e hoje.

COMEÇA O INFERNO

Após uma noite com a família,passada longa ausência tive a felicidade de abraçar, beijar e acariciar meus pais e dois irmãos. Senti-,me  no paraíso. Às 8 horas da manhã, vi-me  na tentação de dar uma olhada na rua, respirar o ar da minha saudosa Nagasaki, que tanto amei. Naquele momento comecei a pisar em inúmeros panfletos lançados por,aviões americanos ao amanhecer, advertindo a população para um bobardeio que seria lançado sobre a cidade. Não me preocupei, achando que era propaganda americana. Continuei  andando, respirando o  delicioso ar japonês, olhando as colinas que circundam parte da desenvolvida região norte, com suas massas de trabalhadores em ação nas quatro grandes indústrias de Nagasaki, liderada pela fábrica de aço da Mitsubishi.
Lá por volta das 11 horas, esqueci que estava na rua, juntamente com grande parte dos 250 mil habitantes locais. De repente soou o alerta de bombardeio com a sirene tocando em alto volume, com aquele já conhecido apito tenebroso que registra a chegada de aviões carregados de bombas para despejar sobre nossas cabeças. Confesso que não pensei mais nada daí por diante. Não houve tempo! Vi apenas o céu escurecendo, invadido pelas chamas e um barulho nunca visto de explosão.
Acordei dez horas depois embaixo de uma rocha de duzentos quilos que ao rolar parou sobre um terreno em cuja base havia  um espaço com cerca de um metro de altura onde fiquei preso embaixo da rocha. Não pude me mexer, nem  falar. Depois de quase 24 horas consegui ser resgatado por tropas de socorro enviadas pelo governo para salvar os sobreviventes. Eu sentí um calor inexplicável, como se uma nuvem de insetos estivesse  me consumindo. Aquilo me atormentava, cansando-me mal estar quase mortal, que me picava o corpo por toda parte. "Foi terrível!" (Os pais e irmãos dele morreram - Nota do Redator).
Os paramédicos me disseram que uma bomba atômica tinha sido lançada pelos aviões dos Estados Unidos e me mandaram ficar quieto, pois estavam tentando salvar a minha vida.
A bomba de 6,4 kg de plutônio lançada na cidade às 11 horas da manhã do dia 9 de agosto de 1945, explodiu 603 metros acima de um campo de tênis perto da fábrica da Mitsubishi, no norte do país. A explosão gerou um calor estimado em 3.900 graus. A cidade ficou parcialmente destruída pelos incêndios da explosão e gerou um vento de mil quilômetros por hora. 60 mil pessoas morreram imediatamente e outras vinte mil com o decorrer do tempo. "Ainda hoje vivo o pavor da explosão e constantemente continuo sendo examinado como medida de prevenção. Para mim o inferno continua"! Exclamou.
                                       

HIROSHI MIGAMI (sobrevivente)
                       
                               


           



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