Governador Silvestre Péricles. Foto de Jean Manzon |
Na reportagem, o experiente jornalista David Nasser consegue arrancar do governador declarações que repercutiram durante anos na política nacional, e a fotografia magistral do francês Jean Manzon contribuiu decisivamente para colocar a reportagem na história do jornalismobrasileiro.
Nasser descreve o primeiro contato com Silvestre como tenso. “Sou a fera que vocês procuram”, foram as suas primeiras palavras, sem estender a mão para cumprimentos. Em seguida perguntou: “Sabe como recebo aqui os jornalistas indiscretos?” O repórter quis amenizar a conversa e disse acreditar que seria bem recebido. “Jornalistas aqui eu trato a chibata“, ameaçou o governador. Quando parecia que não haveria entrevista, um comentário de Manzon desanuviou o ambiente. Ele falou baixinho para Nasser que o governador parecia um Robespierre. Silvestre ouviu, deu umagargalhada e mais expansivo disse: “Qual Robespierre, qual nada, rapazes! Eu estava apenas dando cor local à ideia que vocês, do Sul, fazem de nossa Alagoas”.
David Nasser, repórter de O Cruzeiro |
Em seguida fez um prognóstico. “Isto aqui vai mal. Muito mal. O sangue correrá em Alagoas. Ah, mas não serei eu quem irá derramá-lo. É o povo. Um dia, a massa, esgotada em sua paciência quase sem limites, irá à Assembleia e botará fogo naquilo”. Silvestre se referia aos deputados dizendo que eram piores que os comunistas, que podiam ser recuperados. Avaliava o comunismo no Brasil e em Alagoas como um caso de fome. “O sujeito não se sustenta, não arranja trabalho para manter a família, para vestir os filhos, para educá-los — e apela para o comunismo”. Aproveitando a deixa, Nasser pergunta se tinha sido ele quem mandou “ensacar” o advogado do PCB, Aristides Saldanha, que tinha ido a Alagoas para defender um companheiro. Silvestre negou quase confirmando. “Não, eu não fui. E se fosse, esteja certo que diria. Não gosto de ensacar homens e despachá-los para Pernambuco. Alguém fez isto sem o meu consentimento e lá foi o pobre do Aristides, que é filho de um conhecido meu, o tabelião Saldanha, a caminho da fronteira pernambucana dentro de um saco de aninhagem”.
Repórter fotográfico Jean Manzon |
Quando perguntado pelo rumoroso caso do empastelamento do jornal Diário do Povo, do deputado Mello Motta, também nega e refere ao jornal como um pasquim nojento. “Quando faço ou mandofazer, não deixo vestígios. Os meus inimigos não me atemorizam. Quem pensar, sequer, em levantar a mão contra mim, está assinando sumariamente a própria sentença de morte. Sou rápido no gatilho“.
Ao dizer isso, Silvestre Péricles abriu o paletó e exibiu um revólver 38 cano longo e um cinturão de balas. “Faço o bicho virar peneira. Não tenho capangas. Ando sozinho, vou a qualquer parte, mas não se atrevam a mexer o dedinho. Eles gostam desta coisa boa que é a vida”. Se coloca como vítima e queixa-se que as mortes em Alagoas só atingem as pessoas do grupo dele. “Quando principiar a morrer gente do lado deles, não se queixem”, avisa. O governador teve que se deslocar até uma exposição de animais e os repórteres o acompanharam. Opinando sobre o gado zebu, Silvestre avalia que é um gado sem classe. ” O zebu é, em matéria de boi, o mesmo que Oséas Cardoso em política: carne de má qualidade, pouco leite e lentidão mental”.
Na saída da exposição, Nasser narra a reação do governador ao passar “por um nordestino, mulato troncudo”. Segundo a reportagem, Silvestre abriu o paletó e olhou de esguelha para o ele. Mais adiante falou: “Assassino profissional. Sei que trabalha para os meus inimigos. Mas, ainda não se resolveu asuicidar-se. Isto é: não se decidiu a atirar contra mim.
Antes de chegar ao Palácio dos Martírios para jantar com os repórteres, o governador passou pela Cadeia e fez questão de perguntar ao diretor quantos presos políticos tinham lá. Como a resposta foi nenhum, ele disse: “Estão vendo? E, no entanto, Alagoas é, no dizer de vocês da imprensa do Rio — um vasto campo de concentração. Aqui, entretanto, há muito não recebe a visita de um preso político, exceto a do Oséas Cardoso”, e se refere a ele com um adjetivo impublicável. Mostra o cubículo onde Oseas esteve preso pela morte de Policarpo Filho em 27 de janeiro, dias antes da entrevista. “Ele devia estar aqui não como preso político, mas como reles assassino, autor de 29 mortes. Ordenamos a revisão criminal dos seus processos, beneficiados pela indulgência dos governos anteriores”.
Nasser se espanta com a quantidade de mortes atribuída ao deputado Oséas Cardoso. Silvestre confirma: “Comprovadas. E um homem assim é deputado em Alagoas. São tipos assim que me acusam. Pergunto ao Brasil: que devo fazer? Cruzar os braços e deixar que eles me matem, que saqueiem Alagoas, que façam o que quiser nesta terra brasileira? Não tenho sangue de rato“.
No carro novamente, em direção ao palácio, Silvestre argumenta que o povo apoia o seu governo e não o vê como um monstro. “Dei-lhe estradas, escolas, hospitais. Tripliquei as rendas públicas. Arranquei isto aqui do marasmo. E não há de ser um bando de criminosos comuns que me fará recuar”. Já no jantar, e na presença de seus familiares, o governador explica aos repórteres o quadro partidário de Alagoas. Disse que mesmo passando um período fora de Alagoas, sempre manteve as amizades. “A verdadeira e real oposição era feita pela UDN, dirigida por ladrões clássicos do Estado e tendo como aliados, os membros do Partido Comunista do Brasil. Este último era composto pela massa geral da gente empobrecida, mas os dirigentes locais do PCB eram ratos também”.
Silvestre esclarece que o clima político esquentou a partir da eleição da Mesa Diretora da Assembleia em 1948, quando Ismar de Góis Monteiro, seu irmão, conseguiu eleger um grupo que não era o indicado por ele, provocando um racha no PSD e no PTB, partidos da base do governo. O governo perdeu a maioria e a oposição tentou o impeachment na forma de intervenção. Durante a entrevista, Silvestre se refere ao grupo de deputados oposicionistas como sanguessugas. Percebendo que David Nasser não escrevia o que ele dizia, reclamou. “Por que diabo, seu repórter, quando eu digo sanguessugas você não escreve sanguessugas? Ou você escreve o que estou dizendo, com todas as palavras, ou pára a entrevista. Nem você, nem O Cruzeiro, têm a ver com o meu pensamento. Está combinado?”
A entrevista só continuou após Nasser assumir o compromisso de transcrever literalmente as palavras do governador. Silvestre continuou a explicar que a tentativa de o atingir envolveu também os seus irmãos, que foram lançados contra ele. “Queriam abalar-me com o General Góis tal qual haviam feito com o Edgar em 1935 e o Ismar em 1948”. Argumenta que na verdade o alvo é o GeneralPedro Aurélio de Góis Monteiro. Defende que para haver prosperidade, tem que haver ordem, e enumera as suas conquistas para Alagoas. “Basta dizer que em meus três anos, o governo alagoano já aumentou por três vezes os vencimentos do funcionalismo civil e militar, fundou umaradiodifusora, estabeleceu em Maceió um serviço de bombeiros, gastou 15 milhões de sua própria economia no abastecimento d’água na capital alagoana, cortou o Estado de rodovias, construiu prédios escolares”.
E continuou. “Alagoas, desde a descoberta do Brasil, possuía apenas cinco açudes. Pois eu construí quarenta e sete. Notável é que antes do meu governo a arrecadação máxima foi de 38 milhões e em 1949, arrecadamos 80 milhões. Para onde ia essa evasão de rendas?” Ele mesmo responde. “Para o bolso sujo dos ladrões do povo de Alagoas. São conhecidas as ladroeiras escandalosas do espólio de Brasiliano Sarmento, das obras do porto de Maceió, do “affaire” Singau e outras muitas bandalheiras que ainda hoje esmagam a consciência de nossa gente”.
D. Constança de Góis Monteiro, mãe do governador Silvestre Péricles. (Na reportagem o nome está grafado como Constância). Foto de Jean Manzon |
Sobre o seu irmão Ismar de Góis Monteiro, que estava na oposição, fez a seguinte avaliação: “O Ismar para mim é um homem que morreu. É um boboca. Ele não se deu conta do abismo em que caiu. Está servindo aosinimigos de Alagoas e do Brasil, contra os Góis, tanto ele como Edgard. Daí a razão por que eu evito falar no nome dele. Além disso, homem não chora. Quem chora é fêmea”.
Silvestre Péricles concluiu a entrevista voltando a atingir a oposição na Assembleia. “A Assembleia reclama uma intervenção em Alagoas. Eu reclamo uma intervenção na Assembleia, composta de criminosos em sua maioria. Uma Assembleia de tarados (Rapaz, você escreveu “tarados” ou está me tapeando?”
Fonte: Revista O Cruzeiro de 18 de fevereiro de 1950.
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